quarta-feira, 29 de junho de 2016






          Hoje o sol promete! No rádio, na casa próxima, uma música que dizia: "Quando olhei a terra seca, qual lenha da fogueira de São João, Eu perguntei a Deus do céu, por que tamanha judiação"... O Canta Galo está bem mais calmo. Muita lama em suas margens, água turvo avermelhada. Era assim. Todas as vezes que o rio enchia, na manhã seguinte as águas amanheciam avermelhadas. O rio Canta Galo tem suas nascente na vizinha cidade de Serra Redonda. De Serra Redonda ele desce, passando pela Torre, mais em baixo passa pelo Pinga, Depois Riachão da Benta até desaguar dentro de Juarez Távora. Nesse percurso as água desse manancial anda por sobre as terras dessa região. Essas terras são avermelhadas e, ao chegar em Juarez chega com a cor característica desse percurso. Isso só no dia seguinte, depois de andar por toda a noite. Por isso só no dia seguinte está avermelhada. Ninguém pescando de anzol, pois a água vermelha impedia dos peixes virem a isca. O banho continuava, pois a água era boa para tal.
          O sol quente, porém estava fazendo frio. Algumas crianças nas ruas jogando bola de vidro, outras jogando pinhão.
          A venda de Paizinho de Pontes aberta. Alguém entrava e saía com suas compras. Chico Quinca, tocador de fole de oito baixos, chegava já embriagado e começava uma discussão com Paizinho. A briga a cada momento se avolumava. Era Chico Quinca que havia tomado uma cachaça e não tinha dinheiro para pagar e Paizinho queria a todo custo receber por sua bebida. A coisa ficou tão feia que Chico Quinca saiu correndo de dentro do estabelecimento. Correu alguns metros, mas Paizinho o alcançou e desferiu-lhe uma tamboretada na cabeça que Chico caiu. Um corte enorme em sua cabaça. Lá estava Chico estendido no chão. Era gente correndo para todos os lado. Uns com medo, outros pedindo socorro para o Chico que estava desmaiado e babando muito. A polícia chegou, mas o Paizinho não estava nem aí para o ocorrido. Botaram Chico em um carrinho de mão e o levaram para casa.
          A sena se arrefeceu e tudo voltou ao normalidade. De vez em quando aqueles dois tinham desavenças daquele quilate. Contudo depois eles faziam as pazes e voltavam a ser amigos. Mas que a coisa foi feia isso foi.
          Saí dali e comecei a andar pelas ruas para ver se encontrava novas aventuras. Aliás aventuras era comigo mesmo. Eu vivia cada momento de minha infância muito intensamente. Todavia naquele momento a unica coisa intensa era o canto dos pássaros. Em cada coqueiro da cidade havia um casal de canário cantando. Um golado se exibia com seu canto. Eram pintassilgo, papa capim, galo de campina, sabiá, ferreiro. Era uma verdadeira e bela algazarra. O canto daqueles pássaros eram músicas para nossos ouvidos.
          Passei na casa de de Manoelzinho Barbosa e ele estava fazendo uns carrinhos para vender. Ele sempre foi empreendedor. Ele os fazia de cachão de sabão Comum e lata de óleo Don Don; depois os pintava e nos vendia. O pai dele, José Barbosa o ajudava, fazendo as rodas de tábuas mais grossas. 
          Mais na frente estava a padaria de Manoel de Pontes. Passei bem na frente. O tempero do pão de peso me encheu os pulmões. Lá dentro ele e mais alguns riam-se com as histórias escabrosas que seu irmão, Nô de Pontes, os contava. Mais na frente Antonio Baeta discutia com Pernambuco, homem do vizinho estado de Pernambuco, por ninguém saber seu nome o chamavam assim. A encrenca foi feia. Ainda se pegaram na tapa. 
          Na frente de minha casa ficava a boeira por onde passava as águas vindas do bairro do  ginásio. Me sentei um pouco lá e fiquei vendo as águas que passam por baixo. Vi alguns peixes subindo, indo para a barragem que ficava logo mais em cima, na terra de Manoel Honório, ao lado da escola Luiz Ribeiro Coutinho, construída em 1970. 
          Fiquei olhando as serras de Oscar e a de Mandu. Muita árvores. Agave para todas as bandas que você olhasse. Mais em Baixo, na terra de Oscar, um campo de futebol, que funcionava aos domingos. Ali vi muitas vezes João de Jordão Pegando bola. Ele era goleiro. Seu Duda era o juiz dos jogos.
          O tempo passou. Anoiteceu. A rua não tinha energia elétrica. As pessoas começaram a ascender candeeiro e colocarem nas janelas para só assim iluminar as ruas. Algumas pessoas se juntavam nas calçadas para conversar. Nós, as crianças brincávamos de anel, rouba bandeira, de toca. Noutro Lugar Chico Frade contava estórias. Nos matava de rir com seus causos. Mais na frente Zé Belo e João Vieira liam folhetos de cordel para uma boa clientela. Aliás essa era a melhor atividade das nossas noites. Eu viajavam junto aos personagens dos cordéis.
          As pessoas começavam a retirar os candeeiros das janelas, as ruas começavam a ficar mais escura. Era a hora de irmos para nossas casas e dormirmos. A manhã tem mais.

domingo, 26 de junho de 2016






          Começo de manhã. Acordei. Muito frio. Lama na rua sem calçamento. Rio Canta Galo cheio. Tomei café. Sai para ver o aguaceiro. Numa das casas vizinhas à minha um rádio tocava: "Quem era eu, quem eras tu, quem somos agora? Companheiro de outrora, inimigos do amor". Núbia Lafaiete. Quase ninguém se atrevia a sair de casa. Vi Neco de Maçu na janela de casa. Mais à frente Chico Frade empunhava um jereré. Ele ia pescar. O rio Canta Gala prometia bons peixes naquele momento. Pés no chão. Um escorregão aqui e outro ali, mas chegou ao rio. Ele escolheu uma parte do rio onde a água passava como uma correnteza. Enfiou seu jereré e ficou a esperar. De vez em quando levantava o jereré, metia a mão dentro de mesmo e retirava os peixe que ficavam presos naquele instrumento de pesca. Agora ele jogou algo comprido num banco de areia. De longe não deu para ver direito, mas provavelmente se trata de um mussum, peixe alongado como uma cobra, uma enguia de água doce. De repente seu Chico larga o jereré e sobe no banco de areia, domina o mussum e o coloca no bornal.
          Agora eu fiquei todo interessado em ir ver de perto a pescaria. Saí e fui. Logo eu vi aquele homem tirando de dentro de seu jereré: curimatã, acará, traíra, piaba, jundiá, jacundá, piau, camarão. Era uma fartura de peixe aquele rio. Era uma verdadeira fonte de alimento, naquelas águas. Meu Deus quanto peixe!
          Mais tarde o meu pescador preferido tinha mais companhias. Mais pessoas se juntava, com jererés. Uma chuvinha começava a chegar, mas ninguém nem se apercebe. Aquela chuva aumenta, mesmo assim ninguém está nem aí! Mais em cima, no rio, alguns chegam com anzóis de vara e começam, também, a pegar seus peixinhos. Entre eles está Bio Correia e Auri, também conhecido como Barroso. Ambos puxam algumas traíras e logo se vão, satisfeitos com a pescaria. Mais na frente algumas crianças brincam com uma bola de meia. Zé Belo, Duda de Bagunça, Nivaldo Leite, Tiziu e outros adolescentes pulam da boeira, que passa por baixo da rua Coronel Francisco Honório, como se pulassem de um trampolim, caindo no poço que ficava à frente da mesma. Mais gente chegava para participar daquela que era uma festa, quando chovia. Enchente no Cantagalo era sinônimo de festa.
          A serra de Mandu começava a ficar coberta de um nevoeiro, uma serração, como chamavam os mais velhos.
          a medida que ia se chegando ao meio dia, a meninada de minha rua começava a chegar para tomar banho naquela enchente. Água doce. Limpinha. Novinha. Acabava de cair do céu. Como eu não tinha mesmo o que fazer, eu aproveitava aquilo tudo como se não houvesse amanhã. Aquilo era um céu. Um paraíso.
          Começava a me dar fome. comecei A me dirigir para casa, que ficava a alguns passos dali. Atravessei a rua e pronto: estava na calçada de casa. Chico Belo preparava um porção de rapé. Ele cheirava aquele fumo minuciosamente ralado. E até que tinha um cheiro bom quando ele estava preparando. Calça enrolada até no meio da canela, camisa aberta, mostrando o peito, uma voz estridente e aguda. Ele era ferreiro. Fazia enxadas, foices e outros apetrechos para os agricultores locais. Era meu vizinho e pai de Loura Belo, Terezinha Belo, Maria Belo e Zé Belo. Eles foram criados como se fossem meus irmãos. Eu os tinha como meus irmãos, até porque eu era filho único e eles me acolhiam como um da família.
          Entrei em casa. Minha mãe cuidava dos afazeres da casa. Meu pai sentado num tamborete junto à janela, ficava olhando tudo como se não fizesse parte daquele cenário. Aliás era assim que ele se sentia. Alheio àquela realidade. Me sentei na minha rede, que ficava na sala. Me levantei fui à cozinha. Minha mãe manuseava um pedaço de bacalhau que seria a mistura daquele dia. O fogão de lenha a todo vapor. Fumaça para todos os lados. Fui até o quintal. Muita lama. O cacimbão esta com água até a boca. Parei embaixo do pé de graviola. Olhei e vi muitas flores. Era a estação do florescer daquela fruteira. Voltei. Entrei em casa. Agora o cheiro de bacalhau assado tomava toda a cozinha. Um pouco depois nos sentamos na mesa e almoçamos. Meu pai tinha um costume de ao terminar as refeições, colocar um pouco de farinha na boca como se estivesse limpando os dentes daquela refeição.
          Terminada a refeição eu volto para o rio, que agora estava repleto de pessoas tomando banho. De crianças a adulto aquele manancial estava cheio.
          Terminado o dia, a noite chega e eu me recolho para casa. Meu pai era muito severo com a minha criação. Noite não era coisa de criança. Dizia ele. Seis ou sete horas eu já estava dormindo. Rede fria, lençol fino, dezesseis ou quinze graus centígrados. Não era brincadeira as noites de inverno ali. Eu me encolhia todo para ver se escapava. Mas não tinha problema, pela manhã aquele frio passava. e Começava tudo de novo.   

sábado, 29 de agosto de 2015

ÉRAMOS FELIZES E NEM SABÍAMOS






          Mês de agosto dos anos sessenta. Me acordo, vejo meu pai à janela. Não tenho coragem de me levantar. Fico deitado por um tempo em minha rede estendida na sala, onde sempre dormi. Ouço algumas vozes de transeuntes que se dirigiam ao trabalho árduo da agricultura, fonte de renda destes dias. Meu gato sobe na rede meio que querendo se aquecer no meu lençol. Coragem que era bom eu não tinha para me levantar. Até porque era o período de frio. Muito frio. Contudo um cheirinho vinda da cozinha me desafiava a levantar. Era minha mãe fazendo o café da manhã. O cheiro do café juntava-se ao cheiro do pão de peso. Pão de peso era um pão enorme, também chamado de bolachão ou pão de festa. Ele era temperado com ervas cheirosas. Como cheirava. Criei coragem e me pus de pé. O chão da casa era de tijolos à vista. Não tinha cimento nem ladrilhos. Na cozinha pude ver o que se tinha para comer. Compensou ter-me levantado. O frio era tão grande que minha mãe me levantou e sentou-me num caixote de sabão comum bem perto do fogo, em cima do fogão. Terminado o preparo do café minha mãe me levou para a mesa, chamou meu pai e comemos aquilo ali. Meu cabelo ficou cheirando a fumaça do fogo de lenha.
          Abri a porta, fui até o portão o escancarei-o e vi a rua em que morávamos. Pouca gente se movia nela. Uma névoa cobria a serra de Oscar e a serra de Seu Mandu, pai de Edmundo. Era névoa para todo lado. Quase não se via nada. O sol deu as caras, mas não o víamos, a cerração o escondia. 
          - Bom dia. Disse alguém ao meu pai.
          - Bom dia. Respondeu ele
          Observei como saiu fumaça da boca de ambos.
          Quase nenhuma criança na rua, devido ao frio e até porque era ainda bem cedo.
          O rio Cantagalo, que passava na frente de minha casa, estava com as águas turvas, pois havia chovido dias atrás. Nele podia-se ver que alguém estava a pescar. Vara na mão aquele pescador estava satisfeito, pois estava com uma enfieira repleta de peixes.
          A rua, que não tinha calçamento, estava cheia de lama e poças d'água. Era uma cena apocalíptica. Ninguém na rua. Tempo frio, névoa e uma penumbra que fizera com que as galinhas não descessem dos seus poleiros.
         Saí e resolvi descer um pouco mais à rua Francisco Honório, mas não fui muito longe. Senti um certo vexame. Só não me assombrei mais porque um som vindo de um pequeno rádio de pilhas me fez lembrar de um outro dia qualquer. Me aproximei e ouvi a melodia e a canção que dizia: "Boemia, aqui me tens de regresso e humildemente te peço a minha nova inscrição"... Olhei e vi que era Um certo Zé Barbosa, pai de Maria Barbosa, velho festeiro que morava em minha rua.
          Voltei, peguei um anzol e fui para o Cantagalo pescar. Pesquei um bom bocado de peixe e voltei para casa.
          Agora me pareceu meio dia. O sol ainda não dera as caras. Minha mãe ascendia o fogo. Era fumaça para todos os lados. A lenha não estava totalmente seca. Era preciso abanar muito até o fogo levantar-se. O teto da cozinha era totalmente preto de tanta fumaça. Como a comida era só feijão, alguns peixes e um bocado de carne, logo logo o almoço estaria pronto. E foi o que aconteceu de repente estávamos almoçando. Meu pai, como era de costume, depois de comer pegava um pouco de farinha, punha na boca e comia, como se estivesse higienizando a boca. Ninguém sabia o que era creme dental. Mas eu achava aquilo muito estranho.
          Agora era tarde. Meu pai não trabalhou naquele dia. Estava assentado à mesa. Quatro tamboretes fazia parte da mesa. Meu pai estava assentados sobre um dos tamboretes. Nesse tempo só os ricos tinham cadeiras na mesa. Chico Belo, que era nosso vizinho, era ferreiro e estava batendo ferro em sua bigorna. Agora algumas pessoas atravessavam a rua Francisco Honório, onde eu morava. Neco de Maçu, Otacilio e Zé machado e suas respectivas esposas, juntamente com outras pessoas jogavam peteca, em plena rua, ainda meio lamacenta. Era uma festa aquele jogo. De repente apareceram alguns torcedores.
          Chega a noite e a cidade não tinha energia elétrica ainda. Em cada casa se punha um candeeiro nas janelas e a rua ficava até certo ponto iluminada. Aqui e acolá uma grupo de criança brincava sob os olhares dos pais. Pessoas iam e vinha em todas as direções. Numa das calçadas alguém tocava um violão desafinado que dava dó. Minha mãe, Dona Nila esposa de Chico Belo e outras mulheres conversavam na calçada de pedra de minha casa. Seu Bagunça, outro vizinho nosso, fazia todo mundo rir com suas bagunça, jeito de ser que lhe fez jus ao apelido. Bagunça era a alegria de nossa rua.
          A noite já estava avançada e os pais começavam a chamar seus filhos. Eu estava suado que pingava, mas mesmo assim ia dormir. Banho que era bom só no outro dia,no rio Cantagalo, que ainda estava com água nova, limpinha. Corri para casa agarrei na saia de minha mãe, entrei e cai na rede onde estava dormindo logo em seguia.
          A madrugada chega e com ele o aumento do frio. A rede parecia uma geladeira. Eu me encolhia o máximo que podia, mas não adiantava nada. Os pés e as mão começavam a ficar dormentes de tão gelada. Senti meu gato cair dentro da rede, o que até ajudou a diminuir o frio. De repente me veio a vontade de fazer xixi, mas não tive coragem de me levantar e ir à casinha, era assim que se chamava o banheiro. Esse banheiro ficava no fundo do quintal, era o costume da época: fazer a casinha no final do quintal. Além do mais estava muito frio, os candeeiros apagados, a rede e o lençol foram as vítimas. Sobrou para eles, me segurei, mas adormeci e mijei nos mesmos. Aí o frio aumentou mesmo; mas era o jeito suportar a madrugada congelante. Mesmo com essas condições apaguei. Ah! e o gato já havia apagado antes de mim, pois o vi fazer aquele som característico de quando dormia: truuuuuuu, Truuuuu, truuuuuu. Parecia uma máquina.