Hoje o sol promete! No rádio, na casa próxima, uma música que dizia: "Quando olhei a terra seca, qual lenha da fogueira de São João, Eu perguntei a Deus do céu, por que tamanha judiação"... O Canta Galo está bem mais calmo. Muita lama em suas margens, água turvo avermelhada. Era assim. Todas as vezes que o rio enchia, na manhã seguinte as águas amanheciam avermelhadas. O rio Canta Galo tem suas nascente na vizinha cidade de Serra Redonda. De Serra Redonda ele desce, passando pela Torre, mais em baixo passa pelo Pinga, Depois Riachão da Benta até desaguar dentro de Juarez Távora. Nesse percurso as água desse manancial anda por sobre as terras dessa região. Essas terras são avermelhadas e, ao chegar em Juarez chega com a cor característica desse percurso. Isso só no dia seguinte, depois de andar por toda a noite. Por isso só no dia seguinte está avermelhada. Ninguém pescando de anzol, pois a água vermelha impedia dos peixes virem a isca. O banho continuava, pois a água era boa para tal.
O sol quente, porém estava fazendo frio. Algumas crianças nas ruas jogando bola de vidro, outras jogando pinhão.
A venda de Paizinho de Pontes aberta. Alguém entrava e saía com suas compras. Chico Quinca, tocador de fole de oito baixos, chegava já embriagado e começava uma discussão com Paizinho. A briga a cada momento se avolumava. Era Chico Quinca que havia tomado uma cachaça e não tinha dinheiro para pagar e Paizinho queria a todo custo receber por sua bebida. A coisa ficou tão feia que Chico Quinca saiu correndo de dentro do estabelecimento. Correu alguns metros, mas Paizinho o alcançou e desferiu-lhe uma tamboretada na cabeça que Chico caiu. Um corte enorme em sua cabaça. Lá estava Chico estendido no chão. Era gente correndo para todos os lado. Uns com medo, outros pedindo socorro para o Chico que estava desmaiado e babando muito. A polícia chegou, mas o Paizinho não estava nem aí para o ocorrido. Botaram Chico em um carrinho de mão e o levaram para casa.
A sena se arrefeceu e tudo voltou ao normalidade. De vez em quando aqueles dois tinham desavenças daquele quilate. Contudo depois eles faziam as pazes e voltavam a ser amigos. Mas que a coisa foi feia isso foi.
Saí dali e comecei a andar pelas ruas para ver se encontrava novas aventuras. Aliás aventuras era comigo mesmo. Eu vivia cada momento de minha infância muito intensamente. Todavia naquele momento a unica coisa intensa era o canto dos pássaros. Em cada coqueiro da cidade havia um casal de canário cantando. Um golado se exibia com seu canto. Eram pintassilgo, papa capim, galo de campina, sabiá, ferreiro. Era uma verdadeira e bela algazarra. O canto daqueles pássaros eram músicas para nossos ouvidos.
Passei na casa de de Manoelzinho Barbosa e ele estava fazendo uns carrinhos para vender. Ele sempre foi empreendedor. Ele os fazia de cachão de sabão Comum e lata de óleo Don Don; depois os pintava e nos vendia. O pai dele, José Barbosa o ajudava, fazendo as rodas de tábuas mais grossas.
Mais na frente estava a padaria de Manoel de Pontes. Passei bem na frente. O tempero do pão de peso me encheu os pulmões. Lá dentro ele e mais alguns riam-se com as histórias escabrosas que seu irmão, Nô de Pontes, os contava. Mais na frente Antonio Baeta discutia com Pernambuco, homem do vizinho estado de Pernambuco, por ninguém saber seu nome o chamavam assim. A encrenca foi feia. Ainda se pegaram na tapa.
Na frente de minha casa ficava a boeira por onde passava as águas vindas do bairro do ginásio. Me sentei um pouco lá e fiquei vendo as águas que passam por baixo. Vi alguns peixes subindo, indo para a barragem que ficava logo mais em cima, na terra de Manoel Honório, ao lado da escola Luiz Ribeiro Coutinho, construída em 1970.
Fiquei olhando as serras de Oscar e a de Mandu. Muita árvores. Agave para todas as bandas que você olhasse. Mais em Baixo, na terra de Oscar, um campo de futebol, que funcionava aos domingos. Ali vi muitas vezes João de Jordão Pegando bola. Ele era goleiro. Seu Duda era o juiz dos jogos.
O tempo passou. Anoiteceu. A rua não tinha energia elétrica. As pessoas começaram a ascender candeeiro e colocarem nas janelas para só assim iluminar as ruas. Algumas pessoas se juntavam nas calçadas para conversar. Nós, as crianças brincávamos de anel, rouba bandeira, de toca. Noutro Lugar Chico Frade contava estórias. Nos matava de rir com seus causos. Mais na frente Zé Belo e João Vieira liam folhetos de cordel para uma boa clientela. Aliás essa era a melhor atividade das nossas noites. Eu viajavam junto aos personagens dos cordéis.
As pessoas começavam a retirar os candeeiros das janelas, as ruas começavam a ficar mais escura. Era a hora de irmos para nossas casas e dormirmos. A manhã tem mais.